14 de ago. de 2013

Minha garganta pede um pouco d'água e os meus olhos pedem teu olhar

Nunca gostei de performances artísticas. A última que me abocanhou, à força, foi durante um passeio na Tate Modern. Adoro o lugar, embora não entenda metade do que está ali contido, mas não queria ter vivido a experiência de ser envolvido por dezenas de pessoas correndo, ávidas para confessar algo ao primeiro estranho passante. Eu. Ouvi o relato de um rapaz dizendo ficar constrangido por saber que seus pais, 81 e 83 anos, ainda faziam sexo. Obrigado. De nada. *sai correndo pela rampa*

Nos tempos em que achei que deveria entender sobre artes - ah, a juventude -, conheci, em texto e imagem, Marina Abramović. Li sobre sua performance com o então companheiro de relacionamento amoroso e peripécias, Ulay, na qual ela se inclinava para um lado segurando um arco e ele se inclinava para o lado oposto, segurando uma flecha tensionada no arco e apontada para Marina. Medo, desafio, confiança. Parecia válido e cabível até levar uma flechada, caso algo não corresse como esperado ou alguma rusga viesse à tona, vá saber. Seria arte, imaginei.

Li sobre a caminhada dos dois na Muralha da China. Passaram oito anos negociando permissões e estudando-a "como uma estrutura metafísica, uma réplica da Via Láctea na terra". Iriam sair de lados opostos e encontrar-se no meio, onde casariam. Quando estavam com tudo pronto, no entanto, o romance entre os dois havia esmorecido. Iniciaram sua andança. Ele partiu do deserto, o lado masculino, ela, do mar, o lado feminino. Essa foi a última performance deles como uma dupla.

"Each of us walked two and half thousand kilometers to meet in the middle and depart from each other, and continue working as a single artist. It was very dramatic and a very painful ending". Achei oportunista.

Agora, neste 2013, circula nas redes sociais on-line um vídeo de Marina reencontrando Ulay, 25 anos depois, em uma nova performance solo no MoMA, que recebia uma retrospectiva de sua carreira. Assisti repetidas vezes, a cada nova postagem em minha timeline, cada hora com um comentário, cada hora despertando um sentimento em algum amigo ou (des)conhecido. Uns sabendo quem eram os dois, outros apenas falando sobre o amor entre duas pessoas que se viam após tanto tempo separadas.

Ele ajeita as calças ao sentar, pés com All Star de cano alto. Ela levanta o rosto, tenta segurar uma cara de surpresa ao ver quem está ali (ainda que soubesse, tanto faz). Ele sacode os ombros, suspira. Ela chora e soluça, quebra a imobilidade prevista na peça e inclina-se, mãos percorrendo a madeira da mesa em direção a Ulay. Ele sorri, com certo alívio. Encontra as mão dela e diz algo que nunca tentei decifrar. Os espectadores aplaudem. Ele sai, ela limpa o rosto.

"O amor acaba. Numa esquina, por exemplo". O amor termina ao descer de um carro, numa performance qualquer. E seu eco é ouvido num museu décadas depois.

Os ultramodernos, os maestros do líquido, agora dizem que "estão" popularizando demais a arte de Marina, tão admirada por Lady Gaga (rememoremos o porquê do pseudônimo da cantora). Que a estão banalizando; "orkutizando" é o termo. Bom mesmo são velharias - ou novidades ininteligíveis - trancadas em grandes construções, ao alcance de poucos. Esquartejamos Danuza Leão quando disse algo similar sobre pessoas de todas as classes sociais poderem ir ao exterior.

Pois que a banalizem, que falem dela até a exaustão, que repercutam o vídeo. Que todos possam ter seus quinze minutos de performance. De releitura do vento, de se pintar com açúcar e se lamber. Que todo mundo possa amar de um jeito exibicionista, terminar em espetáculo e reaparecer feito ectoplasma no museu. Até quando? Até querermos de novo. Mais.

Queria eu ter percorrido toda a Muralha da China para desfazer-me aos poucos da bagagem, guardar a memorabilia e limpar o cômodo pelo caminho.

Que a gente não faça do amor uma arte metida a besta e trancada num museu. Orkutizemos, por que não? Conhecer coisas não nos faz melhor que ninguém. Ter com quem dividir uma interpretação e conversar talvez nos engrandeça. Ter para quem mostrar, de quem receber um direcionamento para o olhar.

"Ignition sequence start", digo, para mim mesmo, imitando em minha cabeça o forte sotaque sérvio de Marina.

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