30 de dez. de 2010

Ano

Termina com uma lágrima furtiva, um sorriso de canto, cabeça recostada. Das redes sociais, denso, mas impalpável. Um ano estrangulado que fugiu pelas beiras.

Dualista, ano de crescimento no trabalho, de escalar a árvore, de novos amigos, de amar os antigos, novas empreitadas. De conhecer a Rússia.

Este ríspido ano termina assim, sentado em minha mesa, na empresa com a qual sempre sonhei, vendo clipes de músicas ou trechos de shows. Com poucas palavras, muitas vontades, novos sonhos. Toda aquela insegurança.

24 de nov. de 2010

Relendo, reescrevendo. Trapaceando.

A Adilia perguntou no Toques de Alma onde as pessoas estavam em maio de 1968, em um post com informações pessoais, juventude e muitas referências (Mandela, protestos, Quartier Latin, Martin Luther King Jr., ...). Eu ainda não estava – e nem era – em 68, mas fiquei pensando.

Em 1968 eu ainda nem era um sonho acalentado na cabeça de minha mãe, tampouco uma dúvida errante na de meu pai. Em 68 estava vagando em algum mundo por aí.

Rebentado, de 68 lembro que a juventude sempre vai ser o espelho universal no qual todos precisam ver-se refletidos, sim. É nela que mora o fôlego pra gritaria, mas nem sempre a cabeça para saber os motivos do alarde. E, como disse o Lobo da Estepe, eu estou cônscio da existência desse espelho, no qual tenho uma necessidade tão amarga de olhar-me e no qual temo mortalmente ver-me refletido. A boa juventude é a juventude velha.

Nelson Mandela conheci num livro do colégio, e depois em plantão da Rede Globo e na música do Simple Minds. Música que me mostrou também os “Bloody Sunday”, no swing dos versos lancinantes do U2, que conclamavam uma platéia em polvorosa a cantar “for the Reverend Martin Luther King”, aquele que teve um sonho do qual muitos hoje nem sequer ouviram falar. Mas eu ainda acredito que um dia estaremos sentados juntos “at the table of brotherhood”.

Demorei a entender – se é que o fiz – Hesse, e de Huxley sempre lembro que “se somos diferentes, é fatal que estejamos sós”. Era frio e adolescência quando li Salinger, e ele pareceu me entender, abraçar e acolher como o mundo jamais pensaria em fazer naquele meu momento. Holden Caulfield foi, então, meu primeiro nick na web. E nunca parei de pensar sobre o sonho de ocupação que tinha o jovem do livro: evitar que crianças caíssem de um precipício...

Hoje tento ser uma partícula sólida num copo d´água, saudoso do 68 que não vivi. Saudoso e em silêncio. Reticente.
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Com muita saudade de Adília.

Um pouco do pai, para o pai

Todas as pessoas são muitas. Muitas dentro de si mesmas. Todos nós somos trabalhadores, estudantes ou aposentados; ao mesmo tempo em que somos filhos, pais ou irmãos; amigos, esposos ou namorados; e assim por diante.

Com nosso pai, o Rui, não é diferente. Como ele mesmo fez questão de dizer, absolutamente todos que hoje estão aqui fizeram ou fazem parte da vida dele, tornando-o, portanto, o Rui pai, o Rui amigo, o Rui irmão, o Rui colega, o Rui ex-esposo, o Rui namorado, o Rui cunhado, o Rui etc. e tal, e, por que não, o Rui filho (pois temos certeza que a Vó Maria e o Vô Gabriel estão conosco de alguma forma no dia de hoje). Vocês tornaram o Rui em uma multidão e isso enriquece a vida de qualquer um. Logo, obrigado a todos por terem feito do nosso pai quem ele é hoje: um ser capaz de muito, uma vez que muito o compõe.

Mas não podemos falar do amigo, do esposo, do colega. Não o conhecemos assim. Podemos apenas falar do pai, do grande pai que o Rui é para nós dois. E esse Rui pai também é múltiplo e significa uma tonelada de coisas sobre as quais gostaríamos de compartilhar com vocês hoje.

O Rui como filho e irmão nasceu há exatos 60 anos e deixou uma impressão unânime: irmão dedicado e filho querido. Na escola, foi aluno dedicado, época em que ganhou um companheiro inseparável: seu par de óculos; um aliado e escudo a esconder seus frágeis e vivos olhos azuis do resto mundo. Quantas vezes ouvimos a história de quando ele foi para São Paulo, pequenino, e ficou sozinho no São Bento, tempo de medalhas, estudos, amizades, mas de angústias, saudades e algumas dificuldades. Isso sempre nos fez pensar e comentar: o quão duro deve ser esse sentimento de abandono ao qual nosso pequenino e futuro pai deve ter sido submetido? Ao mesmo tempo, quantas histórias fantásticas nos contou sobre o São Bento e os tempos em SP? Só podemos imaginar!

Ele voltou para Sorocaba e, jovem, foi estreitando amizades. As histórias com o Paulo Henrique, com o Eduardo e com tantos outros sempre nos fizeram rir, como as histórias de amizades juvenis devem ser!

A primeira faculdade veio por paixão: Letras. O literato que há dentro do Rui sempre foi famoso, embora ele o reprima por vezes ou por anos. Podia explodir como escritor. Foi trabalhar no Diário de Sorocaba e tentou dar aulas. Não deu certo! Era tímido para isso.

Necessidade mãe da razão e o Rui fez uma segunda faculdade: Administração. Lá conheceu a Tereza, nossa mãe. Acabou casando, fim de muitos namoros que começam em universidades. Trabalhou com ela no Camiseiro e acabou entrando na fiscalização, onde fez de tudo um pouco, de plebeu até tornar-se o Seo Rói da repartição!

Mas, do nosso ponto de vista, o principal veio lá em 1979: o Rui deixava de ser filho apenas. Nascia o Duda. Em 1983, ampliou a experiência com o nascimento do Lucas. E alguns anos mais para frente, abraçou a existência da Joyce ao seu rol patriarcal. Rui teve filhos e nós ganhamos sentido como família.

Do pai, temos muito a contar. Daria anos o relato. Para não dificultar para ninguém, façamos um resumo. Rui pai foi um cara fantástico. Muito, mas muito carinhoso mesmo, fazia lanchinho para levarmos à escola e deixava-o ao lado de um bilhetinho falando do amor que tinha por nós. Isso era todo dia e não uma vez ou outra. Ajudava com as tarefas, no preparo das refeições, na correção dos rumos. Nunca foi ríspido ou duro sem necessidade.

Viajamos nós quatro, ou com avós e tios, rimos juntos e vivemos uma festa. Que grande infância pudemos ter graças a isso. Mesmo quando as noites na chácara tornavam-se um breu de escuras, com as constantes quedas de energia que havia, ele nos levava para o quarto dele com a mãe, acendia um abajur, e lia capítulos de livros que jamais esquecemos: Tarzan, a Ilha do Tesouro e Origens (com um fóssil na capa!) foram acompanhados como novela, um capítulo atrás do outro, noite após a outra... Não à toa a leitura estar entranhada nos seus filhos!

O Rui, ao nos mostrar as fotos de sua infância, tornava-se o Super-homem. Era o Clark Kent, frágil olhos azuis com pesados óculos de jornalista, que ocultavam um super-pai. Tornou-se o escritor que relutou em ser ao nos deixar mensagens lindas todas as manhãs ou a narrar com vivacidade histórias de piratas. Tornou-se um modelo, uma referência de caráter, alguém a ser seguido. E o seguimos, orgulhosos. Pai, diz o mais primário da psicologia, é identidade e autoridade. Autoridade moral sempre teve, pelo exemplo, e não pelo autoritarismo. Pelo diálogo, paciência e carinho forneceu bases para quem somos no dia de hoje.

Mas, vida é vida, e o perdemos por um tempo. O Rui que se sentia sozinho no São Bento, atormentado por fantasmas de ausência, foi buscar a si próprio longe de nós. Ficamos ao longo de uma década, nós mesmos, com espíritos de ruína ao nosso redor, saudades raivosas de quem perde o chão e frustrações de quem perde o modelo a seguir.

Alguns mais ingênuos podem pensar: tem cabimento falar em coisas tristes em um momento tão feliz, de comemoração?! Permitam um aparte etimológico: Comemorar é palavra latina, cujo radical remete a memorar em conjunto, COM MEMORAR. Nem tudo de que lembramos é belo, mas, por isso mesmo, lembrar é importante. Ainda mais em conjunto. Ainda assim, o mesmo alguém poderia sugerir: mas pulem esse assunto espinhoso e difícil, esqueçam! Mas se o fizéssemos seria injusto com o melhor que poderíamos escrever sobre o Rui pai!

Qual seja: ele voltou! Voltou de sua busca por si próprio; e voltou a nos encontrar como pai. Ah, e como isso foi bacana! Momento de reinvenção: duas crianças eram então jovens adultos, perdidos em seus próprios sonhos, encontrando um adulto feito e desfeito, perdido em outros sonhos. Como foi legal, depois de alguns novos risos, lágrimas, muitas visitas, comidas e viagens, leituras e fotos, voltarmos a sonhar alguns sonhos juntos!

O Rui pai voltou com sua timidez, seu sorriso por detrás de um par de óculos. Seus olhos azuis traziam a companhia de cabelos grisalhos. Mas era o Rui pai, disposto a voltar a sê-lo. Nenhuma história de separação é completa se não flertar com a história da volta, da reconciliação, do perdão. Mútuo e definitivo. Perdoar não significa esquecer, mas lembrar para que não mais ocorra e, com isso, renovar as chances de erro mutuamente. Dar a chance para incontáveis acertos e poucos e novos erros. Perdoamo-nos, construímo-nos de novo. E isso foi muito legal.

Foi regado a vinho, restaurantes, livrarias, cozinhar juntos ou um para o outro, trocar novas confidências, dar e ouvir conselhos... até que ouvimos dele mesmo: a melhor fase da vida de um pai é essa a que eu vivo, quando posso ser companheiro de meus filhos. É isso: o Rui pai tornou-se um companheirão!

Ajudou-nos com as faculdades, com a compra do primeiro carro, do primeiro apartamento, com o casamento de um de nós, com os namoros dos demais. Planejou viagens e as fez conosco. E toca mais idas à cozinha e mais receitas de pai para filho ou de filhos para pai.

Hoje o Rui pai está quase aposentado! E faz 60 anos! Que legal, pai. Que legal mesmo! Que lindo que possamos estar juntos e planejar, logo a partir de amanhã, a festança dos 70, 80, 90 e quanto o muito mais que o bom Deus nos permita ficar sempre juntos.

Neste dia de festa, em que comemoramos um pouco do Rui Pai, desejamo-lhes muitas coisas. Sonhamos que o literato escondido e contido possa, finalmente, escrever seu primeiro romance; queremos que todos os amigos que aqui estão o lembrem de como você é especial, sendo único e múltiplo ao mesmo tempo; que a família o abrace como irmão; que esta noite seja mais um momento inesquecível em sua vida. Você merece!

Mas, acima de tudo, sonhamos e desejamos ver se iluminar o quarto do menino que você tem dentro de si e que ele possa mirar seus próprios olhos azuis no espelho de seu coração e sorrir, sem medo de mais nada: você é um grande pai, o melhor que poderíamos ter.

Um beijo e parabéns de seus filhos.

Duda e Lucas

1 de out. de 2010

“Yeah, I'm gonna have to move on…

Hora de posicionamento, de passo. Dia cinza, de angústia. Noite de dormir no sofá, evitar ter que dividir algumas lembranças com os lençóis.

...before we meet again”.

Dos rascunhos da vida

Eu penso quase em tempo integral sobre qual teria sido o momento em que toda a beleza da ingenuidade, o impulso do mundo a descobrir e a complementaridade de duas vidas tão opostas, que compunham uma paixão, acabaram tornando-se uma concorrência, uma busca por um Santo Graal que, sabemos, jamais será encontrado e não coroará nenhum de nós.

Qual foi o momento em que a explosão alegre de uma carolina descongelada indo ao chão virou uma briga pela sujeira e desperdício. Em que a dança, ainda que etílica e buscando extravasar outras coisas, passou de lazer a motivo para briga. A hora em que olhares se descruzaram, perderam a cumplicidade e passaram a procurar pela pista, tão à meia-luz e pulsante como nosso confuso relacionamento. Ali também não encontraríamos respostas, só mais distância.

19 de fev. de 2010

Próxima à direita

Minha vida está igual a primeira vez que dirigi em São Paulo sozinho. Perdi “aquela” entrada da Marginal e parecia que nunca mais acharia o caminho. Nem precisava ser a volta, apenas um caminho.

No fim, passada a angústia, muitas ruas e muitas placas, achei. Só respirar.

3 de fev. de 2010

A questão

Ontem, durante uma conversa, dessas sem muito nexo na pausa para o café e retomada de fôlego, perguntei para uma amiga se ela já teve a sensação de acordar sem voz, muda, e contar até três ou dizer alô para certificar-se do contrário. A resposta ganhou da pergunta: “não, mas já acordei sem saber quem eu era. Eu sabia que era, mas tive que pensar um tempo e refletir, tipo ‘sou, mas quem eu sou? Como sou?’, até voltar”.

Estou assim faz alguns dias, do acordar ao dormir, e ainda não voltei. Talvez também não tenha pensado muito em quem ou como sou. Talvez nunca tenha nem ido e continue como sempre. Seja a vida um palco, seja a pergunta de Shakespeare ou não. Hoje estou num dia para cantar alto "These are the days of our lives". Inferno astral.

O próximo post será o ducentésimo. Que virá?

20 de jan. de 2010

Ponto.

Decretar o fim antes de um fato marcante ou da perda do respeito é
para os muito fortes ou determinados. Os demais temem estar errando, a
solidão, a carência, as possibilidades, o que quer que o cérebro
invente nesses tempos líquidos para driblar a decisão.

Seja por qualquer via ou causa, terminar é um ritual. Um cerimonial de
encaixotar coisas, desengavetar outras. Dar destinos a cartas
inacabadas ou nunca enviadas, encontrar espaço para sentimentos
reaproveitáveis, apagar palavras nunca ditas. Tentar rearranjar a
casa, para que cada canto perca a história acumulada e volte a ser um
espaço a ser desbravados pela próxima pessoa que, cada vez mais
difícil, entrar pela porta.

Cada cerimonial gasta um pouco da verba total. O coração fica mais
resistente em fazer concessões, os abraços, beijos e entregas parecem
sempre custar muito mais caro a cada novo planejamento.

Tirar a roupa, tomar um banho, olhar atentamente a água que escorre. Pensar na trilha perfeita, escrever, curtir a fossa.

É difícil ser atropelado enquanto se atravessa a rua pensando.

Dos clichês, sozinho ninguém morre.

Tudo entra no arquivo da memória, que podemos moldar como bem queiramos.