18 de set. de 2018

Felicidade ou satisfação: o que esperar da vida?

(Texto do meu irmão Duda, a.k.a. Luiz Estevam*) 

Chega a impressionar como encontramos infinitas maneiras de complicar nosso cotidiano. Dentre as inúmeras formas de complicar nossa existência, uma que se destaca é o quanto evitamos ser felizes. Você deve estar pensando que o autor do texto enlouqueceu: “Tudo o que as pessoas querem é ser felizes! Como ele diz o contrário?”.

A resposta é óbvia, mas não simples. Em primeiro lugar, temos que tentar definir felicidade, e isso é muito difícil. A maioria de nós associa felicidade a um tempo ou uma coisa fora de nós mesmos. Condicionamos a felicidade.

Para ajudar a dissolver esse engano, vamos pensar juntos. Precisamos distinguir satisfação de felicidade. Satisfação é condição necessária da vida. Tenho sede: se não beber água, morro. Se beber, vivo. Ter um mínimo de satisfação é, portanto, imperativo em nossa vida. Além das necessidades básicas a serem satisfeitas, uma existência digna e confortável – estou falando de bens materiais mesmo – é fundamental. Ter é algo que nos satisfaz. Ao menos momentaneamente.

O problema da satisfação é que ela tende a ser passageira. Tenho um celular que me satisfaz em todas as necessidades (e bizarrices) que um celular pode ter. Mas basta saber que lançaram um modelo melhor (ou que alguém já tem esse aparelho) que uma voz surge em nossa cabeça: estou insatisfeito e quero mais. Essa constante, ou quase constante, sensação de buraco interno só é preenchível pela satisfação de um desejo. Mas essa satisfação é profundamente enganosa. Ela não é felicidade, mas euforia, alegria. Passa rápido. Pulamos de desejo em desejo, buscando o efeito extremante prazeroso e evanescente da satisfação de necessidades muitas vezes criadas por nós mesmos.

Por outro lado, é perfeitamente possível viver sem ser feliz. Um escravo pode ter suas necessidades mínimas satisfeitas, mas nunca será feliz. Pois felicidade implica duas coisas de antemão: liberdade e segurança. Se eu for livre e me sentir seguro, posso começar a entender que felicidade é um estado mais duradouro da existência. Longe dos sorrisos que nunca cessam das tradicionais propagandas de margarina e de viagens. Pense como seria a vida se ela estivesse em modo constante de gargalhada. Como dormir se estou eufórico? Como fruir um bom livro, filme ou episódio de série se estou rindo sem parar?

Aproveitar com intensidade a exuberância criativa da vida não é estar em desequilíbrio o tempo todo, como se buscássemos a próxima dose da droga da felicidade (aliás, há muita gente lucrando com elixires da felicidade por aí...).

Não há sentido na vida que não a de uma existência feliz (livre e segura, lembremos). Ser feliz implica reconhecer que há muito de incontrolável na vida. Mas também que há muito sobre o que podemos ter alguma gerência: nossa individualidade, caráter, escolhas, personalidade. Como nenhum de nós é igual ao outro, o que me deixa genuinamente feliz é algo que é realmente autêntico. Quando busco ser feliz de verdade não há receita.

Resumindo: seja feliz por ser você mesmo, pois a felicidade que funciona para seu vizinho não lhe serve. A felicidade – a real – não está na foto do Instagram, mas em entender por que preciso postar tudo em redes sociais. A felicidade está em acatar que cabe muita tristeza na vida, pois do contrário jamais haveria alegria. Uma vida que por vezes contém tristeza, decepção, frustração, mas em que há reflexão, conhecimento de si e ética, é muito mais plena (portanto feliz!) do que uma vida cheia de coisas e planos que satisfazem, mas que é vazia de sentido.

*LUIZ ESTEVAM DE OLIVEIRA FERNANDES é historiador formado pela Unicamp com pós-doutorado pela University of Texas at Austin. Autor de livros como “Santos Fortes” (com Leandro Karnal; Ed. Rocco). IN Revista Delboni Auriemo V.1 N.16/2018



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