8 de out. de 2012

Relendo "Amor Líquido", de Zygmunt Bauman

Este post, com excertos desorganizados que copiei enquanto relia, é dedicado, parafraseando o livro, “aos riscos e ansiedades de se viver junto, e separado, em nosso líquido mundo moderno”.

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"Em nosso mundo de furiosa “individualização”, os relacionamentos são bênçãos ambíguas. Oscilam entre o sonho e o pesadelo, e não há como determinar quando um se transforma no outro.

E assim é numa cultura consumista como a nossa, que favorece o produto pronto para uso imediato, o prazer passageiro, a satisfação instantânea, resultados que não exijam esforços prolongados, receitas testadas, garantias de seguro total e devolução do dinheiro.

Sem humildade e coragem não há amor. Essas duas qualidades são exigidas, em escalas enormes e contínuas, quando se ingressa numa terra inexplorada e não-mapeada. E é a esse território que o amor conduz ao se instalar entre dois ou mais seres humanos.

"Estar num relacionamento" significa muita dor de cabeça, mas sobretudo uma incerteza permanente. Você nunca poderá estar plena e verdadeiramente seguro daquilo que faz — ou de ter feito a coisa certa ou no momento preciso.

Você busca o relacionamento na expectativa de mitigar a insegurança que infestou sua solidão; mas o tratamento só fez expandir os sintomas, e agora você talvez se sinta mais inseguro do que antes, ainda que essa "nova e agravada" insegurança provenha de outras paragens.

Quando se sentem inseguros, os amantes tendem a se portar de modo não construtivo, seja tentando agradar ou controlar, talvez até agredindo fisicamente — o que provavelmente afastará o outro ainda mais. Quando a insegurança sobe a bordo, perde-se a confiança, a ponderação e a estabilidade da navegação. À deriva, a frágil balsa do relacionamento oscila entre as duas rochas nas quais muitas parcerias esbarram: a submissão e o poder absolutos, a aceitação humilde e a conquista arrogante, destruindo a própria autonomia e sufocando a do parceiro.

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Nós pertencemos ao fluxo constante de palavras e sentenças inconclusas (abreviadas, truncadas para acelerar a circulação). Pertencemos à conversa, não àquilo sobre o que se conversa.

A introspecção é substituída por uma interação frenética e frívola que revela nossos segredos mais profundos juntamente com nossas listas de compras. (...) Se você interromper a conversa, está fora. O silêncio equivale à exclusão. De fato, 11 n'y a pas dehors du texte — não há nada fora do texto.

Para cada ganho há uma perda. Para cada realização, um preço. Não importam o horror e a repulsa com que recordamos ou evocamos os preços pagos e as perdas sofridas no passado — as perdas suportadas hoje e os preços a serem pagos amanhã são os que mais incomodam e magoam. Não há sentido em comparar os sofrimentos do passado e do presente, tentando descobrir qual deles é menos suportável. Cada angústia fere e atormenta no seu próprio tempo.

Quando a qualidade o decepciona, você procura a salvação na quantidade. Quando a duração não está disponível, é a rapidez da mudança que pode redimi-lo.

É absolutamente improvável chegar ao fim de seu catálogo portátil ou digitar todas as mensagens possíveis. Há sempre mais conexões para serem usadas — e assim não tem grande importância quantas delas se tenham mostrado frágeis e passíveis de ruptura.

Dentro da rede, você pode sempre correr em busca de abrigo quando a multidão à sua volta ficar delirante demais para o seu gosto.

Aos que se mantêm à parte, os celulares permitem permanecer em contato. Aos que permanecem em contato, os celulares permitem manter-se à parte...

O fracasso no relacionamento é muito freqüentemente um fracasso na comunicação."

1 de out. de 2012

Supernova, sem champagne e com macarons murchos

O silêncio é sempre sintomático. Pode ser de constrangimento, alegria não compartilhada, reflexão, luto, repouso, apatia, um infinito de sensações e qualidades. Em mim, agora, é uma mistura de tudo. Gasto grande parte do meu tempo e queimo sinapses vasculhando um universo impalpável e ponderando o que seria mentira, o que seria verdade, o que seria insegurança, em minha vida e na de terceiros. O quanto já não foi tramado esses dias. Aguar na bateia o que é amor, deslumbre, novidade, medo, família, fome, cansaço, memórias, lembranças, saudade... Um acúmulo de pedras brutas.

Impossível conter a explosão. O pavio ardeu durante meses, correndo a terra, desbravando novos espaços, iluminando o redor, correndo, correndo. Chegou até a enorme carga, diminuiu a velocidade, entrou, incendiou, liberou energia sob diversas formas. Impossível conter os estilhaços.

Efervescência nervosa, riso adstringente.

O que tenho a perder, agora, é de vista.

Quebra-cabeça. Somos um mar de pedrinhas emboladas, com potencial para virar uma grande, única e coesa imagem de algo bonito. Mas isso requer trabalho, empenho e dedicação.

Quero uma boa temporada, novas bases comparativas.

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... Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.


É necessário agora que eu diga que espécie de homem sou. Meu nome, não importa, nem qualquer outro pormenor exterior meu próprio. Devo falar de meu caráter. A constituição inteira de meu espírito é de hesitação e de dúvida. Nada é ou pode ser positivo para mim; todas as coisas oscilam em torno de mim, e, com elas, uma incerteza para comigo mesmo. Tudo para mim é incoerência e mudança. Tudo é mistério e tudo está cheio de significado. Todas as coisas são ‘desconhecidas’, simbólicas do desconhecido. Em conseqüência, o horror, o mistério, o medo por demais inteligente.

FP