12 de nov. de 2013

Os Marleys e a gente

Chegamos a ter quatro Pastores Alemães convivendo conosco ao mesmo tempo na casa de minha mãe, no interior de São Paulo. O quintal era imenso e, para uma criança nos seus cinco, seis anos, era quase como dividir uma floresta particular com imensos e velozes animais. Tilim, Bruna, Ceci, Lion. O casal Tilim e Bruna teve seis ninhadas, o que me fez acompanhar várias vezes a gestação, o parto e perceber como uma cachorra lida com sua prole (Pacato e Lela são dois outros dos quais lembro bem). Além dos Pastores, tive um Cocker malhado, tenho uma vira-lata caramelo e minha mãe tem um Beagle grisalho.

Dois deles deixaram passagens intensas. Lion ficou conosco durante 15 anos, 15 sensacionais anos. Tempo suficiente para invertermos, em iguais proporções, a graça e alegria que ele nos deu no auge de seu vigor com o cuidado, carinho e atenção que demandou em sua velhice. Ele foi um grande companheiro, inteligente e safado como esperamos que todo cachorro seja. Velhinho, dormia durante longo tempo com a cabeça em meu colo, enquanto eu espantava os mosquitos que tentavam atrapalhar seu sono e fazia carinho em seus já desbotados pelos.

Uma noite, meu irmão e eu o encontramos deitado no jardim, fraco e muito ofegante. Tentamos animá-lo com leite, seu alimento favorito, com carinho, até que percebemos que ele só queria alento e companhia para que pudesse partir. Cerca de uma hora depois, percebendo seus olhos inquietos e em busca de algo, resolvemos chamar minha mãe, que estava dormindo. Um pouco assustada, ela se juntou à nós, fazendo cafuné em sua barriga e dizendo-lhe que ficasse em paz, que ele havia sido uma imensa alegria em nossas vidas e que era hora de descansar. Lion deu um suspiro longo, foi esmorecendo, fechou os olhos e relaxou as patas. Recolhemos sua coleira e, na manhã seguinte, o enterramos sob as bananeiras, bem perto das folhas de capim-cidreira nas quais ele adorava se coçar e se aninhar.

Quase dois anos depois, adotei um cachorro que encontrei nas ruas. Quando recuperado e em dia, pudemos ver que era um Cocker. Meu Bolacha. Seus pelos compridos, quando perto da hora do próximo banho, viravam um insolúvel emaranhado de folhas, galhos e demais coisas enroscadas ao longo de suas andanças pelo quintal. Ele era uma animação só, bobão e companheiro. Diferente do Teco, o Beagle, gostava de ficar deitado comigo na rede, balançando, nos finais de semana de descanso. Ele ficou doente e internado por bastante tempo, até que precisou ter sua vida abreviada. Eu nunca havia passado por um momento assim. Levamos ele de volta para a casa, para que ficasse conosco em sua última noite. Teco deitou ao seu redor de uma forma que parecia abraçá-lo. Ganhou muito carinho. No dia seguinte, fomos ao veterinário e me despedi, com o coração miúdo e uma confusão de sentimentos. Corri para um colo e para ser abraçado. Bolacha foi enterrado pertinho do Lion, e o Teco passou noites seguidas dormindo ali.

Hoje, essa dupla, Lion e Bolacha, está recepcionando uma pequena Poodle com nome de cantora teen, para que possam correr pelo infinito campo no qual os imagino. De cabelinhos brancos arrepiados, roupinha e um pouco trêmula, ela chega para contar toda a vida que dividiu com um menino aqui na terra, desde pequenos até hoje, um tempo bastante diferente e numa fase de tantos capítulos adultos, mas cujas lembranças e alicerces ainda justificam que ela se chamasse Sandy.