7 de jun. de 2005

Súdito

Antônio Abujamra não chorou quando nasceu. Queria provocar os médicos e dissociar-se do comum logo na aurora de sua carrancuda vida. E fez desse seu talento inato, a destreza para provocar com maestria, seu meio de vida. Foi um dos poucos entre seus tão ímpares pares profissionais que se sujeitou a televisão, grande referencial simbólico brasileiro. Com cara de avô ranzinza, que reclama de dores nas costas mas insiste em dormir no sofá, Abujamra capitaneia nos finais de domingo o Provocações, seu programa de entrevistas na TV Cultura.
O projeto inicial previa apenas treze entrevistas a serem exibidas durante três meses, mas para os que dizem que a qualidade na TV sempre sucumbe a bunda, agradou tanto que está há anos pondo sal em feridas abertas com a promessa de que ainda há muito cloreto de sódio no estoque.
Com ar de Tomás de Torquemada dissimulado, envolto por um cenário pálido, suportado pelo clima de Hitchcock e enquadramentos incertos, não amarra o entrevistado na fogueira, mas coloca fogo na vaidade. No programa quem triunfa é o provocado, que tem espaço e liberdade para expor idéias e responder a altura das perguntas, desde que apto a isso. Tem uma proposta que não é nova, mas é perpetuamente boa. Repelente do discurso em voga.
Da trinca de gordos que despontam no comando de talk-shows no Brasil, as diferenças entre eles salientam mais que a barriga. A irreverência de João Gordo, que prima pelo escracho sem distar da inteligência e o vazio narcisista de Jô Soares, o condutor da massa, que é graduado em auto-afirmação e projeção do quanto sabe, Abujamra segue outra trilha. e mostra sua periclitante diferença genial.
Provocações dá total liberdade para os entrevistados, sejam eles quem forem, de onde forem, com o título que tiverem. Como um "grande circo místico", provê os prometidos 15 minutos de Warhol para representantes de minorias, artistas, médicos, fãs do programa e muitos outros tipos, como mendigos, que já tiveram sua vez e espaço para se expressarem e não raro surpreendem-nos com sua provocações, dando sutis alfinetadas em nosso preconceito. Todos podem enforcar-se na corda da liberdade com nó apertado pelas mãos de Antônio. E, para entreter além dos bate-papos, textos declamados com maestria e reportagens diversas sobre os mais variados e curiosos temas.
Expoente estranhamente mendicante e glorioso desse gênero jornalístico, comandado por um niilista auto-crítico, ácido e lancinante o programa de pouca verba triunfa pela muita inteligência e pelo desconforto que não raro causa no espectador. Torna astuta e incômoda nossa macilenta televisão e provoca as (de)cadentes estrelas de nossos triviais programas de entrevistas.

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