3 de fev. de 2015

#137

A leitura dos clássicos da infância nunca me havia feito acreditar que um dia eu viveria uma história de amor envolvendo uma festa e sapatos deixados para trás.

Minha nuca encantou-se com você antes mesmo que pudesse vê-lo por inteiro, a não ser quando roubava pelos reflexos da tela do computador ou pelos cantos dos olhos. Depois meus ouvidos, certamente suscetíveis ao enredo contado pela nuca, renderam-se à sua voz rouca, modulada conforme seu interesse.

Um dia eu olhei. No outro, você levou a misturinha do café da manhã. As rodinhas de minha cadeira passaram a querer percorrer o chão branco o tempo todo para ficar mais perto, sentir seu cheiro. Encostei em você. E de novo. E você já era parte. Juntos. Dois.

De um sofá sob a brisa de uma janela em Moema até repetidas vezes no cartório. Do meu Memory Motel no Largo da Batata, onde provei que existe uma receita científica para se gostar de alguém (embora apaixonado desde a primeira linha da experiência), até as caminhadas nos dias frios 9.497 quilômetros distantes de onde estamos hoje.

Seguindo nas tags e métricas, cozinhamos risoto no Natal, com 100 quilômetros nos separando. Jantamos os fogos de 31 de dezembro dividindo os mesmos centímetros, SPHB. Não precisamos de monumentos ou grandes obras, éramos nós a principal referência em todos os guias e mapas. Ignoramos algumas das pinturas mais icônicas da humanidade porque tudo que importava era seu nome entalhado na parede. Você era tudo que me importava. Usei seus sapatos e seus casacos, usamos Estomazil, dividimos a cama, a banheira, os rodopios no parque e dias inenarráveis.

Cantei para você. Ouvi você cantando repetidas vezes. Minha vontade, ou a de meu coração, ainda com as marcas de dobra, é ouvir muitas mais.

Desisti de procurar explicações para algumas coisas. “People fall in love in mysterious ways. Maybe just the touch of a hand”. Você apareceu para, como um plano de metas de JK, me fazer viver cinco anos em cinco meses. Para me mostrar, como numa minissérie, que ainda é possível viver romances como os dos longa-metragens dos cinemas. Com tramas, mentiras, sentimentos intensos. Loucura. Escolhas. Com amor.

Mas agora é tarde em meu coração. Vou dobrá-lo para caber no bolso, sempre ao alcance da mão, mudar o canal e acordar para um novo momento. Ao lado da televisão, você será um dos pôsteres emoldurados e pendurados na parede:

- But what about us?
- We’ll always have berries.

--

Nenhum comentário: