Meu avô morreu e minha avó não quis morar sozinha. Desfez-se da casa e passou a morar três meses na casa de cada um dos seis filhos. Menos na de um, “porcão”, ela dizia, “porque a casa dele é muito suja”.
Poucos anos e alguns desentendimentos depois, ficava apenas na casa de quatro deles. Depois, na de três. Os filhos começaram a sentir-se incomodados, a tratá-la não tão bem como deveriam. E ela nunca conseguia fincar raízes em um lugar, ter seu cantinho, suas coisas todas juntas.
Foi aí que minha mãe – sempre ela – chamou minha avó em um canto e disse que já era hora dela parar de agüentar humilhações e ter uma casa onde ela pudesse receber filhos, amigos e netos.Ela, que tão amuadinha andava, titubeou. Mas foi. Penou um pouco no começo, mas depois renasceu.
Recebia as amigas para um chá, o pessoal da igreja para o arroz-doce depois do culto, cultivava suas lindas plantas, recebia os netos todos para dormir lá nos fins de semana, fazia café para os filhos aos domingos, começou (isso mesmo, não voltou, começou) a ler (adorava romances água-com-açúcar, ao melhor estilo Cinco Minutos de José de Alencar)...
...e fez uma amiga, Dorothy. Eram vizinhas de porta e se adoraram. Apresentava a nova amiga assim: “Essa é Dorothy, minha amigona. Ela é poetisa! Da Academia Sorocabana de Letras, julgadora em concursos de literatura”. Era uma amizade encantadora.
Minha avó foi, pela mão de um “anjo do senhor”, zelar por nós lá do alto. Deixou, além das saudades, de suas plantinhas, suas histórias, da prova de que é possível renascer e ser muito feliz a qualquer hora da vida, a amiga poeta:
“Tive quatro premiações este ano. A Therezinha era sempre a primeira a ouvir as minhas bobaginhas. Como ela gostava muito, mando-as aqui Sei que você e os meninos gostam:
Niterói - tema Promessa
Ora eloqüente, ora mudo,
teu olhar é uma charada:
promessa sutil de Tudo,
no fútil revés... do Nada!
São Paulo - tema Cristal
Atravessando o vitral,
a luz do sol se desvela,
pondo, em chispas de cristal,
seu brilho à humilde capela.
Pirapetinga - tema Saudade
Persuasiva e eloqüente,
saudade fala de afeto,
com sete letras, somente,
que valem todo o alfabeto.
Pouso Alegre - tema Coragem
Coragem?! Ah quem me dera
que por graça ou bruxaria,
aquela mulher que eu era
ressuscitasse algum dia!
Dorothy Moretti”
2 comentários:
Lu, obrigada por sexta-feira. Estava tudo ótimo: a conversa, a vodka, a caipirinha, o habib's..rs
Precisamos fazer mais!
beijos
Olá! por acaso achei seu blog e acabei lendo sua história e me emocionei... histórias de avôs e avós me emocionam, pois amo muito minha avózinha...
assim que puder, passarei aqui de novo
até mais!
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