12 de jun. de 2025

Eu te amo de paixão

Gil começou a cantar “Cale-se” e desatei a chorar. Pedro me acolheu embaixo da asa até acalmar. Mas quem, sem ter passado pela ditadura, chora numa música dessa, num show desse? Mandei uma mensagem pro meu irmão rememorando que íamos minha mãe, ele e eu ouvindo e cantando MPB no caminho pra escola. Sabemos até hoje a ordem das músicas nas fitas K7.

Nesses últimos anos minha mãe ficou amiga da morte. Tão próxima que descobriu alguns de seus segredos e aprendeu a pregar peças pra enganá-la. Guardava a dor num cantinho do seu quarto e sorria pra todo mundo porta afora. Ela viu minhas sobrinhas crescerem, meu irmão virar professor da Unicamp, começou a passar tudo no crédito, tomou café com meus amigos e namorados.

No último ano erguemos um gazebo, comemoramos meu aniversário nele, ela fez festa pros amigos no quintal. Ficou no solzinho com Ruby, Minduim e as orquídeas, mimou o Costelinha. Levou chocolates pra turma da químio. Fez paçoca de carne, torta de frango, falou com as irmãs e sobrinhos; “Deus no comando, andar com fé eu vou”. Tirou uma foto de família no aniversário do meu sobrinho. Curtiu a cantata de Natal com os vizinhos de condomínio. Fizemos amigo secreto, ela tirou minha cunhada (“Uma pequena grande mulher”), virou o ano na casa do meu irmão. Contou uma porção de histórias, almoçamos lasanha, cortamos o cabelo.

E depois de tanta farra, ela cansou e resolveu dar as mãos pra amiga que rondava furtiva. A última coisa que me disse foi: “Obrigada por tanto amor”. E foi muito. É muito. Parabéns, mamã. Como escreveu minha sobrinha, feliz 73, 74, 75… 100, 101, 102…