24 de nov. de 2010

Um pouco do pai, para o pai

Todas as pessoas são muitas. Muitas dentro de si mesmas. Todos nós somos trabalhadores, estudantes ou aposentados; ao mesmo tempo em que somos filhos, pais ou irmãos; amigos, esposos ou namorados; e assim por diante.

Com nosso pai, o Rui, não é diferente. Como ele mesmo fez questão de dizer, absolutamente todos que hoje estão aqui fizeram ou fazem parte da vida dele, tornando-o, portanto, o Rui pai, o Rui amigo, o Rui irmão, o Rui colega, o Rui ex-esposo, o Rui namorado, o Rui cunhado, o Rui etc. e tal, e, por que não, o Rui filho (pois temos certeza que a Vó Maria e o Vô Gabriel estão conosco de alguma forma no dia de hoje). Vocês tornaram o Rui em uma multidão e isso enriquece a vida de qualquer um. Logo, obrigado a todos por terem feito do nosso pai quem ele é hoje: um ser capaz de muito, uma vez que muito o compõe.

Mas não podemos falar do amigo, do esposo, do colega. Não o conhecemos assim. Podemos apenas falar do pai, do grande pai que o Rui é para nós dois. E esse Rui pai também é múltiplo e significa uma tonelada de coisas sobre as quais gostaríamos de compartilhar com vocês hoje.

O Rui como filho e irmão nasceu há exatos 60 anos e deixou uma impressão unânime: irmão dedicado e filho querido. Na escola, foi aluno dedicado, época em que ganhou um companheiro inseparável: seu par de óculos; um aliado e escudo a esconder seus frágeis e vivos olhos azuis do resto mundo. Quantas vezes ouvimos a história de quando ele foi para São Paulo, pequenino, e ficou sozinho no São Bento, tempo de medalhas, estudos, amizades, mas de angústias, saudades e algumas dificuldades. Isso sempre nos fez pensar e comentar: o quão duro deve ser esse sentimento de abandono ao qual nosso pequenino e futuro pai deve ter sido submetido? Ao mesmo tempo, quantas histórias fantásticas nos contou sobre o São Bento e os tempos em SP? Só podemos imaginar!

Ele voltou para Sorocaba e, jovem, foi estreitando amizades. As histórias com o Paulo Henrique, com o Eduardo e com tantos outros sempre nos fizeram rir, como as histórias de amizades juvenis devem ser!

A primeira faculdade veio por paixão: Letras. O literato que há dentro do Rui sempre foi famoso, embora ele o reprima por vezes ou por anos. Podia explodir como escritor. Foi trabalhar no Diário de Sorocaba e tentou dar aulas. Não deu certo! Era tímido para isso.

Necessidade mãe da razão e o Rui fez uma segunda faculdade: Administração. Lá conheceu a Tereza, nossa mãe. Acabou casando, fim de muitos namoros que começam em universidades. Trabalhou com ela no Camiseiro e acabou entrando na fiscalização, onde fez de tudo um pouco, de plebeu até tornar-se o Seo Rói da repartição!

Mas, do nosso ponto de vista, o principal veio lá em 1979: o Rui deixava de ser filho apenas. Nascia o Duda. Em 1983, ampliou a experiência com o nascimento do Lucas. E alguns anos mais para frente, abraçou a existência da Joyce ao seu rol patriarcal. Rui teve filhos e nós ganhamos sentido como família.

Do pai, temos muito a contar. Daria anos o relato. Para não dificultar para ninguém, façamos um resumo. Rui pai foi um cara fantástico. Muito, mas muito carinhoso mesmo, fazia lanchinho para levarmos à escola e deixava-o ao lado de um bilhetinho falando do amor que tinha por nós. Isso era todo dia e não uma vez ou outra. Ajudava com as tarefas, no preparo das refeições, na correção dos rumos. Nunca foi ríspido ou duro sem necessidade.

Viajamos nós quatro, ou com avós e tios, rimos juntos e vivemos uma festa. Que grande infância pudemos ter graças a isso. Mesmo quando as noites na chácara tornavam-se um breu de escuras, com as constantes quedas de energia que havia, ele nos levava para o quarto dele com a mãe, acendia um abajur, e lia capítulos de livros que jamais esquecemos: Tarzan, a Ilha do Tesouro e Origens (com um fóssil na capa!) foram acompanhados como novela, um capítulo atrás do outro, noite após a outra... Não à toa a leitura estar entranhada nos seus filhos!

O Rui, ao nos mostrar as fotos de sua infância, tornava-se o Super-homem. Era o Clark Kent, frágil olhos azuis com pesados óculos de jornalista, que ocultavam um super-pai. Tornou-se o escritor que relutou em ser ao nos deixar mensagens lindas todas as manhãs ou a narrar com vivacidade histórias de piratas. Tornou-se um modelo, uma referência de caráter, alguém a ser seguido. E o seguimos, orgulhosos. Pai, diz o mais primário da psicologia, é identidade e autoridade. Autoridade moral sempre teve, pelo exemplo, e não pelo autoritarismo. Pelo diálogo, paciência e carinho forneceu bases para quem somos no dia de hoje.

Mas, vida é vida, e o perdemos por um tempo. O Rui que se sentia sozinho no São Bento, atormentado por fantasmas de ausência, foi buscar a si próprio longe de nós. Ficamos ao longo de uma década, nós mesmos, com espíritos de ruína ao nosso redor, saudades raivosas de quem perde o chão e frustrações de quem perde o modelo a seguir.

Alguns mais ingênuos podem pensar: tem cabimento falar em coisas tristes em um momento tão feliz, de comemoração?! Permitam um aparte etimológico: Comemorar é palavra latina, cujo radical remete a memorar em conjunto, COM MEMORAR. Nem tudo de que lembramos é belo, mas, por isso mesmo, lembrar é importante. Ainda mais em conjunto. Ainda assim, o mesmo alguém poderia sugerir: mas pulem esse assunto espinhoso e difícil, esqueçam! Mas se o fizéssemos seria injusto com o melhor que poderíamos escrever sobre o Rui pai!

Qual seja: ele voltou! Voltou de sua busca por si próprio; e voltou a nos encontrar como pai. Ah, e como isso foi bacana! Momento de reinvenção: duas crianças eram então jovens adultos, perdidos em seus próprios sonhos, encontrando um adulto feito e desfeito, perdido em outros sonhos. Como foi legal, depois de alguns novos risos, lágrimas, muitas visitas, comidas e viagens, leituras e fotos, voltarmos a sonhar alguns sonhos juntos!

O Rui pai voltou com sua timidez, seu sorriso por detrás de um par de óculos. Seus olhos azuis traziam a companhia de cabelos grisalhos. Mas era o Rui pai, disposto a voltar a sê-lo. Nenhuma história de separação é completa se não flertar com a história da volta, da reconciliação, do perdão. Mútuo e definitivo. Perdoar não significa esquecer, mas lembrar para que não mais ocorra e, com isso, renovar as chances de erro mutuamente. Dar a chance para incontáveis acertos e poucos e novos erros. Perdoamo-nos, construímo-nos de novo. E isso foi muito legal.

Foi regado a vinho, restaurantes, livrarias, cozinhar juntos ou um para o outro, trocar novas confidências, dar e ouvir conselhos... até que ouvimos dele mesmo: a melhor fase da vida de um pai é essa a que eu vivo, quando posso ser companheiro de meus filhos. É isso: o Rui pai tornou-se um companheirão!

Ajudou-nos com as faculdades, com a compra do primeiro carro, do primeiro apartamento, com o casamento de um de nós, com os namoros dos demais. Planejou viagens e as fez conosco. E toca mais idas à cozinha e mais receitas de pai para filho ou de filhos para pai.

Hoje o Rui pai está quase aposentado! E faz 60 anos! Que legal, pai. Que legal mesmo! Que lindo que possamos estar juntos e planejar, logo a partir de amanhã, a festança dos 70, 80, 90 e quanto o muito mais que o bom Deus nos permita ficar sempre juntos.

Neste dia de festa, em que comemoramos um pouco do Rui Pai, desejamo-lhes muitas coisas. Sonhamos que o literato escondido e contido possa, finalmente, escrever seu primeiro romance; queremos que todos os amigos que aqui estão o lembrem de como você é especial, sendo único e múltiplo ao mesmo tempo; que a família o abrace como irmão; que esta noite seja mais um momento inesquecível em sua vida. Você merece!

Mas, acima de tudo, sonhamos e desejamos ver se iluminar o quarto do menino que você tem dentro de si e que ele possa mirar seus próprios olhos azuis no espelho de seu coração e sorrir, sem medo de mais nada: você é um grande pai, o melhor que poderíamos ter.

Um beijo e parabéns de seus filhos.

Duda e Lucas

Um comentário:

Anônimo disse...

Lindo texto! Que bom que você voltou pro Blog!