Li numa crônica do Ivan Martins, em 2013, que “pode-se amar uma cidade a vida inteira, mas é impossível descobri-la duas vezes”. Já revisitei muitas cidades e estava em paz com essa afirmativa até o dia que resolvi ser jovial no sul da Bahia. Na volta de uma festa desencontrada, de mil inseguranças, do chão de barro, do medo de perder um rim ou cair em algum golpe, eu abri a porta para aqueles cabelos cacheados e, sem saber, abri a porta para um sem fim de aventuras e para a desconstrução da afirmativa acima, porque eu descobri de novo aquele pedaço de areia e mar, mas dessa vez com toda uma cor local e um coração em ponto de fervura.
Sou uma pessoa sem senso de direção, nascida em tempos de Guia Quatros Rodas impresso, e nem os satélites e os aplicativos atuais me ajudaram a desvendar e trafegar no que viria ao meu encontro. Grandes avenidas iluminadas e ruelas na penumbra, infinitos caminhos, encontros, desencontros, vistas incríveis e multas por infrações.
Aquela porção de cachos, uma camisa de animal print, um sono tranquilo, um inesperado futuro à frente, tudo apoiado no meu braço dormente e formigando, que eu não mexeria por nada nessa vida para não estragar a cena. Era tempo de Gilsons nos streamings. Várias queixas de você, sem dúvidas, mas “algum ritmo em comum fez nos encontrar”, com pipoca e brigadeiro à vontade naquele microcosmo.
E foram muitos cabelos, os seus e os meus, ainda que em tão pouco tempo. Se Einstein dizia que o tempo passa mais devagar para quem se move a uma velocidade alta, o que é a paixão se não a loucura no mais intenso acelerar?
- “Ih, filho, você tá diferente”, dizia minha mãe. “Tá com cara de apaixonado”.
- Talvez eu esteja.
- Vá devagar, hein.
Como ir devagar se você já tinha percorrido quase dois mil quilômetros e instalado sua branquíssima roupa de cama no meu caleidoscópico apartamento?
Se tem uma coisa com a qual você não precisa se preocupar é com me despedaçar, porque alguém já dinamitou esse terreno antes, e de novo, e eu sigo acreditando que até a maneira como os corações se despedaçam é bonita.
Até por isso virei um panfletário de "Amor Líquido", de Zygmunt Bauman, porque também acredito que “sem humildade e coragem não há amor. Essas duas qualidades são exigidas, em escalas enormes e contínuas, quando se ingressa numa terra inexplorada e não-mapeada.” E para o quê mais vivemos se não tentar decifrar todas essas estradas, até entendermos que a viagem é tão preciosa e o destino talvez nem exista? Bora parar para abastecer e colocar a próxima playlist.
Moreno, flor do desejo, ai, teu cheiro em meu lençol. Desço pra rua, sinto saudade. Suspiro quando o celular rememora alguma foto ou alguém me pede para contar o nosso causo. Espero e torço para que você seja feliz e siga realizando seus sonhos, no sono mais tranquilo, num abraço afetuoso, embalado em amor.
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