18 de abr. de 2021

A química do imponderável

Sempre que vou dar um conselho ou palpite para um dos meus melhores amigos, mais novo do que eu, começo a frase dizendo: “Eu, aqui do futuro...” . Obviamente a diferença de idade não me coloca no futuro, estamos vivendo simultaneamente. Cada um com suas especificidades e seu próprio tempo, mas juntos no calendário. Logo seremos todos mais uma camada geológica na terra.

A diferença de idade não me coloca no futuro nesse cenário, mas os anos de 2021 no calendário gregoriano ou de 5781 no calendário judaico me colocam no futuro para o Lucasof de uns 20 anos atrás. Vez por outra me pego pensando o que ele me perguntaria. E, o mais complicado, o que eu responderia?

Como diria Gabriel Garcia Marquez, eu não venho fazer um discurso ou interferir no seu caminho, afinal, não há caminho, o caminho se faz ao caminhar e eu não quero tirar-lhe a imensidão e a beleza dessa trilha. Aqui, do futuro, posso dizer que as coisas estão indo bem. Loucas. Os carros não voam, mas os aviões estão mais rápidos. Interagimos e conversamos com pequenas telas que carregamos no bolso ou na bolsa e viramos nós mesmos paisagens solitárias de cartões postais chamados selfies. Escrevemos pequenas legendas para preencher um grande vazio, parecido com o que você sente sozinho em São Bernardo do Campo durante a faculdade, e enviamos para o mundo inteiro, sem saber ao certo quem vai receber. Em vez de um selo para poder enviar, esperamos carimbos de aprovação após o envio. Curtiu, amou?

Você virou mesmo um jornalista, trabalhou nas maiores editoras do país, realizou seu sonho naquele icônico prédio à margem do Rio Pinheiros. Hoje constrói novos sonhos trabalhando na bandeira do cartão de crédito. Fique tranquilo, ela também tem se reinventado ultimamente. Alguns dizem que você se casou, outros que só morou junto. Foi uma baita aventura! E tem outras por aí. Você teve - e nós teremos! - grandes e únicos amores.

Sim, você é gay. A mini Beyoncé que tomava conta do seu corpo durante as aulas de piano já nos dava uma pista. Poderia dizer para você Googlar esse nome, Beyoncé, mas também não faria sentido. Você ainda usa a enciclopédia da biblioteca para fazer suas pesquisas. Um dia você vai saber quem ela é e talvez tomem uma limonada juntos. Você vai ler Brecht e, em outros dias, vai usar toda a angústia como força para tentar fazer uma mínima diferença no mundo. O Duda vai abrir caminhos e a mãe vai peitar tudo e todos por você. Aliás, isso vai te livrar de passar um ano servindo o exército. “Do rio que tudo arrasta diz-se que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem.”

Você ainda não sabe dançar direito e nem andar de patins. Vai aceitar os cachos do seu cabelo, até que ele vai cansar e começar a cair. Tudo bem, você vai incentivar os cachos de um dos seus melhores amigos e raspar a cabeça durante uma pandemia. Pois é!

Uma a uma, você criou coragem pra pintar as unhas que parou de roer em nome da higiene e de frear a contaminação pelo corona vírus, o da pandemia. Estamos usando máscaras o tempo todo! Veja só se não é um grifo de Fernando Pessoa. Alguns dos seu maiores medos também cruzaram o caminho e você ainda duvida de suas qualidades e competências. No meio disso tudo e de uma jornada com a mãe, você vai tirar forças de várias caixas e gavetas para seguir adiante. A gente chora muito mais hoje em dia, enquanto vê o colágeno pelo retrovisor.

Falando em retrovisor, seus “amigos pra vida toda” viraram boas lembranças pra vida inteira. Ou até onde o cérebro mantiver arquivado. Mas você encontrou uma família pelo caminho, já que a sua oficial nem sempre cabia muito. Você escolheu o nome de uma de suas músicas favoritas para batizar sua cachorra, grande demais pro apartamento em que você vai morar. Ela, Ruby Tuesday, vai se mancomunar com a mãe e se refugiar na chácara. E vem o Costelinha, tão pitico. Eles são grandes companheiros.

As máquinas estão evoluindo e aprendendo, já a humanidade eu não posso confirmar. A gente ainda monta Lego. Digo a gente porque suas sobrinhas gêmeas também gostam! É mais fácil encaixar essas peças do que colocar cada pensamento e cada sentimento em seu devido lugar. Não bata muito a cabeça com isso. Agora chega de eu fazer o que a juventude atual chama de spoiler. Um último palpite: escreva muito, porque as novas gerações não são dadas a “textões”.

Encontre boas maneiras para falar o que pensa e o que sente. Você tem uma mágica que talvez perca pelo caminho. Ou esconda. A gente duvida do ar, mas acredita no vento. Confie na dica do Rugol e banho gelado da sua avó. Engate a marcha e venha tranquilo, porque a areia da ampulheta é macia ao tocar os pés. “A matéria-prima do ar, das rochas e da vida foi e continua sendo forjada pelas pressões gigantescas que existem no coração das maiores estrelas.” Somos todos poeira de estrelas. E eu, aqui do futuro, só existo porque você é uma supernova.
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