30 de mai. de 2005

Tempo rei

Não adianta ler em alguma poesia, em uma crônica, escutar meus pais, amigos ou ouvir qualquer sermão templo afora. São os fios de cabelo em incessante queda de minha cabeça que me apresentam intimamente ao caduco lugar comum: o tempo é inexorável. Quando algum cadente for então de cor branca, aí então terei me tornado irmão do bordão. Só me resta viver satisfatoriamente, ouvindo ao longe a mentirosa canção de acalento “é do careca que elas gostam mais”. Numa análise aprofundada, até pode ser. Fica para a imaginação de cada pensar nisso, pois, como diria meu hilário chefe: “Não contarei o resto da piada, por três motivos: em primeiro lugar, porque não é esse o objetivo; depois, por se tratar de piada provavelmente conhecida, o que lhe tiraria a graça; e, principalmente, por causa dos chamados “bons costumes”, os da Moral, que não recomendam o uso de palavrório chulo em portais de boa reputação”. Não tenho medo de ficar velho, mas me apavora não ter aproveitado suficientemente o ontem.

“Não temos de nos preocupar em viver longos anos, mas em vive-los satisfatoriamente; porque viver longo tempo depende do destino, viver satisfatoriamente depende da tua alma. A vida é longa quando é plena; e se faz plena quando a alma recuperou a posse de seu próprio bem e transferiu para si o domínio de si mesma.”
(Sêneca – Cartas a Lucílio)

25 de mai. de 2005

E a cidade

Aí vem mais um João, Maria, Zacarias
O rosto enrugado de melancolia
Nas costas o peso da vida
Barriga magra e estufada de saudades
As mãos carcomidas da lida
Os pés calejados de pedras
Quer ir para longe da seca
Fugir da miséria que o persegue
Anda para qualquer outro novo lugar
Que cruzará os braços
Para mais um qualquer filho de Deus
Afunda os pés na lama que já foi rio
Erra por terra em busca de seu chão
O seco corpo não deixa marcas nem rastros
Não há sol, nem luar
O tempo segue a cadência das entranhas famintas
Só quem faz sombra é a morte
Ceifando verdes campos de corpos desidratados
Cada passo uma fuga da foice
Guerra de todo dia em terra que não há

18 de mai. de 2005

Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte...

Sou de uma família metade protestante, por parte de mãe, e metade católica, por parte de pai. Por serem ambas muito fervorosas, cada qual para seu lado da fé, meus pais acabaram por distanciar-se de qualquer religião quando, mais velhos, puderam optar.
Por conseqüência eu cresci uma ovelha desgarrada do rebanho. Tenho fé nas coisas que acredito, muita, mas devo assumir que só recorro a ela nos momentos de dificuldades, como esperança última e raramente pra agradecer.
Mas às vezes acho que recebo indiretas do plano espiritual.
Pouco tempo atrás eu estava em uma fase turbulenta, daquelas que nos deixam bem pra baixo, de kalundum. Um dia saí mais cedo da aula e resolvi voltar pra casa da minha mãe, em Sorocaba, que é meu porto-seguro.
Cheguei lá e logo soube que era dia do velório do Eduardo Alvarenga, o dentista sorocabano que morreu no Aconcágua e era amigo da minha família. Eu só o conhecia de vista, mas cismei que tinha que ir. Não suporto velórios, nunca vou a nenhum, mas fui impulsionado a ir nesse. Sem saber direito porque.
Fui sozinho. Era na Igreja Presbiteriana Independente de Sorocaba e logo que entrei o pastor anunciou que iriam cantar um hino, “Com Tua Mão”, que é o mesmo que minha mãe cantava para que eu e meu irmão dormíssemos e que minha cabeça me sussurrava nos tempos mais difíceis da separação dos meus pais. Depois que cresci acabei esquecendo dele, que foi trocado pelo meu absolutismo, pelo bordão “eu estou bem, não preciso de ajuda”.
Sei que é pretensão, egoísmo e que muitos ali sentiram o mesmo, mas tive aquilo como um sinal pra mim. Que estava no rumo errado, que deveria sacudir a vida, levantar a cabeça, dar graças a tudo que tenho. Não sei direito. Mas foi um misto de medo e conforto, de dor e acolhimento.

Hoje soube que meu Tio Domenico (meu padrinho de batismo na igreja católica) está com câncer. Não tem como não ficar com medo quando se escuta isso. Ele me é muito querido, foi sempre muito presente e importante em minha vida. Tenho fé que ele sai fácil dessa. Se Deus quiser.

Sozinho no Adendo da Capital. Cantando. “Com Tua mão/segura bem a minha/pois eu tão frágil sou, ó Salvador (...)”

...não temerei mal algum, porque tu estás comigo.

Fotos, infância e besouros

Ontem à noite, para espantar um pouco a solidão, comecei a rever algumas fotos que trouxe comigo para o apartamento na capital. São poucos álbuns, três ou quatro, mas cada um deles traz uma infinidade de histórias. Fotos de aniversários, formaturas, reuniões de família em casa. Detenho-me um pouco mais de tempo em um deles, onde aparecemos eu e meu irmão, há tempos atrás.
A diferença de idade entre nós é de três anos e meio, sendo ele o mais velho. A vida toda nos demos muito bem. Durante anos dividimos o mesmo quarto, estudamos na mesma escola, partilhamos as mesmas brincadeiras e até alguns amigos.
Um acontecimento saltou do arquivo da memória ao olhar uma das fotos e me fez rir. Quando tínhamos entre cinco e onze anos, éramos grandes aspirantes a biólogos. Uma de nossas várias experiências genéticas com animas (formigas, grilos, mosquitos...) era congelar besouros em potes com água no freezer, esperando que ao descongelarmos os pobres animais eles pudessem voltar a viver normalmente. E tenho claro em minhas lembranças que um deles deu um pequeno passo, embora meu irmão insista que o movimento foi causado pelo gelo que derreteu.
Outra coisa curiosa é que sempre que víamos um besouro virado com as patas para cima (eles são como tartarugas, não conseguem se virar), com muito cuidado nós o colocávamos na posição certa. Todas as noites, diversas vezes. Paramos com nossas experiências, crescemos, tivemos que separar um pouco nossas vidas, mas até hoje, quando na casa da minha mãe, continuamos desvirando todos os besouros do caminho. Podemos estar prontos para sair, com pressa, seja lá o que for, que paramos para socorrer os pequenos animais. Acabamos contagiando alguns outros membros da família com nossa ação. Minha mãe e minha prima, embora com menos entusiasmo e mais nojo, com a ponta do sapato, fazem o mesmo.
Não sei quando foi que isso começou e tampouco sei ao certo porque fazemos (talvez para nos retratar após os congelamentos), mas já devemos ter salvado vários ao longo desses anos. É sempre frustrante encontrar algum deles morto pela manhã.
Será que um dia meu filho (será que vou ter um filho?) terá a mania de salvar besouros de seu trágico destino de morrer chacoalhando as pernas viradas para cima?

13 de mai. de 2005

Uma noite no semi-árido

Saio exausto do trabalho, irritado com a brutal diferença de temperatura entre meu agradável escritório e o chuvoso frio se São Paulo. No aglomerado de carros da Marginal Pinheiros não há outra coisa na qual pense senão no aconchego de meu apartamento, longe dos problemas e barulhos capitais, onde posso descansar e esquecer a agitação cotidiana.
Estaciono o carro na garagem, subo e vou direto saciar minha latente vontade de ir ao banheiro. Aliviado, aperto a descarga. Nada acontece. Aperto outra vez, mais uma, e nada. Vou lavar as mãos na pia. Também não funciona. Corro para o tanque da lavanderia, meu último reduto e, surpresa, nada de água!
O porteiro interfona para avisar que o prédio ficará sem água até amanhã, para que seja feita a manutenção da caixa d´água. Diz que tentou me avisar antes, mas eu não estava.
Cansado e furioso, lembro ironicamente que hoje é Dia Internacional do Meio-ambiente. A manchete do jornal sobre a mesa rememora a suspensão, em fevereiro, de gastos no Orçamento do Governo Federal, que paralisou as obras do Proágua Semi-árido, deixando dez Estados à espera de recursos. Vivo uma noite de semi-árido em plena terra da garoa.
Algumas horas sem água já bastam para desestruturar todo meu desejado descanso. Meu egoísmo traz outra lembrança: 1,1 bilhão de pessoas não tem acesso a água potável e 2,4 bilhões não têm acesso nem ao saneamento básico. Dados do jornal. E eu aqui, praguejando minha má sorte.
As mãos sujas, navegando pela internet, o cheiro vencendo a barreira formada pela porta do banheiro e se alastrando pelo apartamento. Algumas horas, uma noite, a geladeira cheia de bebidas. Do que reclamam os que não têm sequer água para beber e vêem seus filhos brincando no esgoto que corre aberto logo ao lado de sua janela, com o feijão acabando em pleno dia 10?

12 de mai. de 2005

Ando macilento. Bicho-preguiça. Minha cabeça acreditou nas milhares de inconscientes promessas de fuga que faço a todo instante e achou que eu não voltava mais. E aqui estou, atirado no cotidiano. Mas foi muito boa a ligeira “fugere urgem”. E retoma-se a vida.

O homem que falava Javanês: Não é que o clone do Papa fala um Português engraçadinho? Todo ensaiado, com aquela cara de avô. Momento ternurinha.
E ele tanto quer ser o João Paulo III que ta andando sem o Papa Móvel GTI Turbo pra ver se toma um tiro.
Em comum com o Brasil tem o fato dele dar aquela risadinha rosnada igual a do Beto Lee. Parecem parentes. A benção, Chico XVI, nosso povo te abraça...

Propaganda institucional: Ele começou do nada, em um ateliê de fundo de quintal. Abriu sua primeira loja. Ficou famoso em seu país natal. Cuspiu nos compatriotas e foi brincar na França. Comandou a Maison Lanvin, por um ano. Fracassou. Saiu fugido, endividado. Voltou para sua terra. Ficou quietinho. Fez uma amiga, abriu dúzia de lojas super chiques. Estardalhaço. Durou oito meses. Perdeu a amiga. E as lojas. Mas ele vai tentar de novo! Porque ele é Ocimar Versolato, brasileiro, e não desiste nunca!

Por último, e já meio velha: Estava assistindo o especial de 40 anos da Rede Família Globo, quando exibiram um vídeo no qual aparecia o Cid Moreira, com toda aquela cara, perguntando para o Mister M: “Aaaah Mister M, paladino mascarado, você é espada?”
O que fez o hábil editor? Cortou a cena para a Zebrinha (aquela, bem velha, que anunciava o resultado de loteria) dizendo: “Coluna do meio!”.
Impagável.

E é isso. Vou pôr o que sobrou do meu cérebro no formou. A cabeça toda, assim o cabelo fica bom também.

Abraço!